Quem de nós não está acostumado a ter experiências frustrantes com atendentes de call-centers? (use a seção de comentários para responder esta). Pois o atendimento que o pobre realiza na ponta da linha é o resultado final de processos de CRM, ou 'Gestão do Relacionamento com Clientes', que podem ser definidos como procedimentos automáticos usados para gerar marketing personalizado baseado em informações sobre o cliente mantidas no sistema. Eu diria que o lado 'automático' do atendimento ao qual nos acostumamos a receber das empresas é exatamente o que nos leva à loucura, e o que esvazia o sentido da palavra 'relacionamento' contida no termo.
Qualquer cidadão enlouquecido após um inferno ocasional vivenciado em um atendimento de call-center fica a se perguntar: eu mereço? O VRM diz: merece. Enquanto as empresas montam seus procedimentos para nos gerenciar como itens de bancos de dados concebidos de acordo com os interesses corporativos, nós clientes não dispomos de nenhum meio tecnologicamente sofisticado para nos relacionar com nossos fornecedores, ou com qualquer instituição. Sim, estamos falando de informações pessoais utilizadas na intermediação de relações na rede, ou seja, estamos falando de identidade digital. A relação automática das empresas conosco supõe quem somos com base em seu banco de dados. Como alternativa, o VRM é o que os clientes, ou no caso, usuários precisam para se relacionar com seus fornecedores tanto ou tão pouco quanto eles mesmos desejem, em seus próprios termos e não somente de acordo com as inclinações e idiossincrasias das corporações.
O termo VRM identifica um movimento capitaneado pelo 'colega' Doc Searls, originado nas discussões sobre 'identidade centrada no usuário' desenvolvidas pela Identity Gang. O impulso para a idéia é a mesma indignação que todos nós sofremos ao sermos submetidos ao que as empresas chamam de 'relacionamento com clientes', mas com uma postura pró-ativa. Portanto, ao invés de culpar as empresas (Vivo, Gol, Mercado Livre, Submarino, Google, Yahoo, Flickr, Amazon, eBay, Technorati, Skype, YouTube, Second Life, GoDaddy, etc., apenas para nomear uma pequena porcentagem dos CRMs que possuem minha combinação ID/senha), Doc sugere:"O que tivemos por décadas foram sistemas de 'relacionamento' que simplemente não o são, pelo simples fato de residirem completamente do lado das empresas (fornecedores). Estão todos confinados em silos. Isolados. Tais sistemas fazem tudo, mas somente para um fornecedor. O cliente se relaciona com aquele fornecedor através de míseros pedaços de informação para autenticação (login, senha, repostas para perguntas em caso de perda de logins e senhas...) e então interage ('relaciona' é demais para a presente situação) dentro de um sistema estreito e altamente confinado que controla totalmente o que o cliente pode fazer -- e anula completamente qualquer possibilidade de contribuições úteis para a empresa exceto através das compras ou outros dados secundários que possam ser extraídos do histórico de transações com o cliente. "A sua opinião é relevante?" De jeito nenhum. Eles não se importam com o que penso. Importam-se apenas com o que seus relatórios dizem. Existe aqui uma grande diferença. Um lado se relaciona, o outro não.
Quem acompanha o ritmo absolutamente irregular de postagens aqui no ecodigital vai se lembrar de um post sobre a 'economia da atenção', onde já estavam presentes alguns esporos da idéia de se criar mecanismos de registro e organização de dados do lado dos usuários, como o 'attention recorder' e o 'gestures bank'. Mas o importante mesmo deste post foi o registro da abordagem que o Doc Searls começava a formular com o seu texto sobre a 'economia da intenção' (The Intention Economy). Na época ele já indicava o conceito de 'intenção' como mais apropriado do que o de 'atenção' por enfatizar o foco no indivíduo, o 'comprador'. Tal abordagem poderia alavancar a construção de soluções técnicas baseadas em dados de atenção para auxiliar o indivíduo a conseguir o que deseja dos mercados, ao invés de auxiliar o 'vendedor' a capturar a atenção dos 'compradores'.
A 'Identity Gang' tem enfrentado o desafio de alcançar a identidade única (Single Sign On, ou SSO). Mas, de fato, 'relacionar' trata-se de um problema maior e mais importante. Identidade é essencial, mas é apenas o começo. Agora é uma boa hora para vislumbrar o que pode surgir de tudo isso, e eu penso que é o VRM.
O VRM deve prover 'algo' do lado dos clientes que é... o quê? Eu vejo um conjunto de métodos de conexão e arquivos de dados, ou meios de representar arquivos de dados. Tudo seguro, claro. Sob o controle dos clientes, mas provendo informações a quaisquer intermediários com os quais o cliente deseja se relacionar. Um sistema de Gerenciamento do Relacionamento com Fornecedores, ou VRM."
This is why I want VRM - Doc Searls
Como o post começa a se espichar demais, vamos recapitular e fechar por agora com o auxílio do Chris Carfi:
Um exemplo de como funcionaria o VRM em uma situação concreta, relatado pelo 'colega' Ethan Zuckermann:
Doc apresentou um exemplo específico: Eu estou chegando no aeroporto de Los Angeles no dia 28 de dezembro, e eu quero alugar um carro médio que toque CDs mp3. Quem tem o veículo que eu quero, e quanto irá custar? Primeiro: esta solicitação quebra o sistema de praticamente todas as empresas de aluguel de carro. Segundo: no paradigma atual, você como cliente é forçado a ir ao website de todas as empresas e repetir sua solicitação. Um mercado mais fluido permitiria que o cliente especificasse suas necessidades e esperasse para ver quem teria uma oferta a oferecer. A idéia por trás do VRM vai além do modelo onde a propriedade da informação no relacionamento negocial está toda do lado do fornecedor. É um avanço na direção da independência em relação a fornecedores. e da interação com eles com base em nossos próprios termos. Neste contexto, eu digo: "eu posso estar disposto a lhe dizer as características do carro que eu quero, mas a minha identidade e as informações sobre pagamento só estarão disponíveis depois que você fizer uma oferta".Legal, não? Quem se interessou, que dê um sinal aí nos comments... Seguimos conversando.
Doc Searls, live, and not in the ceiling - My heart's in Accra